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Divagando e rimando

Poema de José Fernandes Castro
Decalamado e registado em vídeo por Américo Pereira


Caíram no meu poema 
Gotas dum orvalho pobre
Mas ainda vale a pena
Fazer um poema nobre

Não há poema sem som / que nos diga o que não quer
Não há casamento bom / sem uma boa mulher

Não há cidade sem luz / não há luz sem claridade
Não há Cristo sem ter cruz / em nome da felicidade

Não há tigela sem sopa / não há sopa sem repolho
Não há corpo sem ter roupa /não há rei sem ter um olho

Não há filme sem cinema / nem cinema sem atriz
Não há revolta sem tema / não há tema sem raíz

Não há luto sem consolo / não há choro sem promessa
Não há cabeça sem tolo / quando o tolo tem cabeça

Não há jogo sem apito / não há golo sem baliza
Não há feio sem bonito / nem gravata sem camisa

Não há caneta sem tinta / não há navalha sem fio
Não há doutor que não minta / nem há vela sem pavio

Não há boca sem segredo / não há segredo sem voz
Não há país sem degredo / não há rio sem ter foz

Não há urna sem jazigo / não há defunto sem campa
Não há crime sem castigo / não há declive sem rampa

Não há gravidez sem filho / não há filho sem ter mãe
Não há guerra sem sarilho / não há rico sem vintém

Não há avião sem asa... mesmo telecomandado
Não há telhado sem casa / mas há casas sem telhado

Não há piscina sem fundo / não há vedeta sem fama
Não há pessoas sem mundo / mas há pessoas sem cama

Não há rua sem saída / não há bilhetes sem nome
Não há fartura escondida / mas há pessoas com fome

Não há banco sem dinheiro / não há rico sem Mercedes
Não há festa sem terreiro / mas há casas sem paredes

Não há luar sem estrelas / não há nuvem sem receio
Não há casa sem janelas / nem há rua sem passeio

Não há nobreza que chegue / para rimar a tristeza
Nem há rima que não pegue / pelos cornos da nobreza!

Confesso, aqui e agora
Que não há, mesmo que eu queira
Uma alma benfeitora
Que leia tanta besteira.